segunda-feira, 23 de maio de 2016

Dos assédios que já vivi

Esse é um dos assuntos mais delicados, pra mim, de se falar, porque geralmente pras pessoas, é tão comum você andar nas ruas, mexerem contigo e ter que se achar "desejável e linda", por conta disso, que nós quase não conversamos mais sobre "um homem que nos mexeu na rua" ou outras situações de assédio. E até explicar o quão invasivo e constrangedor tudo isso é, dá um cansaço. Tenho como intenção mais compartilhar vivência e vou falar de algumas situações, entre tantas que já passo/passamos, diariamente.
1. A primeira vez que eu fui assediada (que eu lembro), tinha cerca de 12/13 anos. Estava brincando de pira-esconde com uns vizinhos, na casa de um deles. Lembro de ter corrido no corredor e um deles(que tinha 19 anos na época) ter me segurado e me dado um beijo, e depois ter dito pra deixar aquilo em segredo. Eu realmente deixei. Posso dizer que essa é a primeira vez que eu estou "falando" disso. Na época, eu não tinha entendimento sobre nada que envolvia assédio, eu não soube nem mesmo o que pensar. Enfim, eu cresci e com 16 anos ouvi alguém dizer a ele que eu era uma garota muito "comportada" e ele responder "É das comportadas que eu tenho mais medo". E ainda sem saber que assédio não era natural, eu passei a deixar de sentir indiferença por aquele homem pra sentir nojo.
 2. Outra vez, estava no ônibus, indo pra uma festa. Um homem se sentou ao meu lado, colocou sua mochila sob as pernas, passou o braço por baixo da mochila (pra que ninguém visse) e começou a passar a mão nas minhas pernas. Eu (como provavelmente todas as mulheres uma vez, na vida) não achei que aquilo estivesse acontecendo, achei que estivesse entendendo errado, que era "coisa da minha cabeça" (é o que sempre nos fazem acreditar). Então... eu afastei um pouco e encostei mais na parede do ônibus. Fez um barulho e ele se assustou, mas assim que passou ele tornou a passar a mão na minha perna. Eu não gritei, não briguei, não reclamei. Apenas levantei e desci do ônibus, antes mesmo da hora que eu deveria ter descido. As vezes, você simplesmente não sabe como agir.
3. Essa foi uma das situações que mais mexeu comigo: Tinha um amigo, posso dizer que melhor amigo, na época. Sempre ia na casa dele e ele na minha. Sempre conversávamos sobre quase tudo. Um dia ele me ligou, 10h da manhã, pra ir até a casa dele. Como era de costume: fui. Ao chegar lá percebi ele estranho, não havia ninguém na casa, além dele, mas costumávamos ficar sozinhos, conversando, então "tudo bem". Passamos um tempo conversando, sentados um perto do outro, até que ele começou a dizer algo como eu ser afim dele e eu ter que admitir isso. Eu disse que ele estava completamente enganado e fiquei realmente irritada com a alegação. Então, ele me abraçou e começou a pedir um beijo, disse pra ele que não ia rolar, então ele não me soltou do abraço e tentou a forçar o beijo, eu virei o rosto várias vezes e disse firmemente "ME SOLTA", ele me soltou. Eu realmente fiquei com medo, mas não queria demonstrar isso, então, dei um tempo e depois pedi pra que ele abrisse a porta, pra mim, que eu precisava ir embora. Me afastei.
4. Todos os dias, eu ando nas ruas e ouço pelos menos de 6 a 8 caras se direcionarem a mim com coisas como "gostosa" "linda" "ô lá em casa" "ô na minha cama" "que corpo". Vocês podem achar que isso é engraçado e perguntarem "Mas tá reclamando de quê? São elogios". Quer saber? Não, vocês não podem e nem devem achar isso engraçado, vocês não podem achar que eu tenho que me sentir satisfeita com isso, vocês não podem achar que o medo que sinto todos os dias de andar nas ruas por causa desses homens, seja natural. Vocês não devem achar que eu só posso ser respeitada se estiver com alguém do sexo masculino do lado. É exaustivo, você briga, você discute, você tenta dizer pra pararem com isso, mas chega uma hora que tudo que você quer é chegar em casa, se jogar um cobertor e não sair nunca mais dali. Tudo que você pensa é "só quero chegar bem" e é TODOS OS DIAS, VÁRIAS VEZES NO DIA.
Várias mulheres passam por isso, várias mulheres que não tem como vir aqui e escrever um texto pra falar sobre isso ou ir nas ruas pedir (quase implorar) pelo direito de ir e vir em segurança, sem ninguém estranho se direcionando a você e te causando medo. E as que tem, ainda são obrigadas a ouvir coisas como "você tá revindicando bobagem" "é só um assovio" "é só elogio". Ouçam, ajudem uma mulher que está sendo vítima de assédio por menos grave que pareça pra você e tenha, por favor: Empatia. É bom e nós gostamos.

quarta-feira, 11 de maio de 2016

"Por que ela pode ser feminista e eu não posso ser machista?"

Escolhi esse tema porque algumas pessoas já me fizeram essa pergunta e ela sempre demonstra claramente o quão desinformadas as pessoas são do que de fato é o feminismo. É importante ressaltar que, assim como eu, diversas outras pessoas que hoje compõem o movimento já foram igualmente desinformadas e isso é perfeitamente compreensível.
Pois bem, para começar, quero deixar claro que não estou aqui para ditar regras sobre o que as pessoas devem ou não fazer, sobre o que é permitido ou sobre o que é proibido, o objetivo aqui é explicar um pouco sobre a minha noção de feminismo. É necessário entender que todos nós, independente de gênero, aprendemos ao longo da vida todas essas concepções machistas que carregamos hoje e o processo de desconstrução/mudança tem que ocorrer de forma suave, iniciando na forma de pensar até que reflita na forma de agir. Adiante, é importante saber que esse não é um processo nada fácil que ocorre da noite pra dia e sim uma construção diária e, em decorrência disso, por inúmeras vezes você pode se deparar consigo mesmo entrando em contradição, tendo que repensar tudo aquilo que disse, tudo aquilo que acredita.
Dito isto, vou então listar os motivos que me fizeram responder a pergunta do tema:
1º: Não é algo difícil de se entender que: O MACHISMO MATA. Sim! Quem nunca ligou a televisão, acessou a internet ou viu em qualquer outro meio de comunicação manchetes do tipo: "marido é preso por matar ex-mulher" "grupo estupra e mata mulher em tal lugar"? Se você não viu, basta uma pesquisa rápida no Google para se deparar com a avalanche de notícias que envolvem esses crimes. Esse tipo de conduta ocorre pela perpetuação da ideia de propriedade do homem em relação a mulher. Essa ideia faz os homens acreditarem que tem o DIREITO de agredirem mulheres pelos motivos que entenderem justos, sempre amparados por uma sociedade que sustenta essa ideologia machista da mulher como objeto que, caso não corresponda à expectativa do parceiro, torna-se descartável da forma mais intolerante e absurda que se pode imaginar. Para comprovar essa afirmação é só lembrar de quantas vezes você já ouviu por aí que "a mulher provocou/mereceu" como justificativa de atitudes violentas simplesmente injustificáveis na cabeça de quem tem o mínimo de bom senso.
2º: O machismo e a ideia de masculinidade/feminilidade acaba nos enjaulando. Nós crescemos aprendendo ideias como "cozinhar não é coisa de homem", "homem não pode dançar desse jeito", "homem não pode demonstrar sentimento", "homem não pode sentir medo", "homem não pode abraçar outro homem", "homem que é homem tem que transar com várias mulheres" e ainda "menina tem que gostar de rosa", "esse desenho não é coisa de menina", "mulher tem que ter filho", "mulher tem que casar". O caráter de prisão dessas concepções é demonstrado na ideia de que antes mesmo de nascermos já é criada uma expectativa de como devemos nos comportar baseados no sexo biológico ao qual pertencemos e ao ousar ir contra essa expectativa socialmente criada você se depara com uma sociedade que diz "NÃO. VOCÊ NÃO PODE SER DIFERENTE DESSE PADRÃO". Todos aqueles que já passaram por isso conseguem entender o quão aprisionante é você não poder ser quem é de verdade, não poder demonstrar seus desejos e não poder ser simplesmente livre porque se depara com repressão dentro da escola, entre amigos, entre desconhecidos e até dentro da sua própria casa.
3º: Ser feminista e ser machista não é o mesmo que torcer pra times de futebol rivais, a tendência é que achemos que essa luta é uma mera briga entre homens e mulheres para ver quem é melhor. Acaba que, por um lado, isso acontece ao nos depararmos com homens que orgulham-se em auto declarar que são machistas e não descem sequer um degrau no seu pedestal de privilégios para conhecer o feminismo. Ou ainda pior, conhecem um pouco, mas não tem empatia para entender o que é ter seus direitos negados, o que é ser sexualizada ou inferiorizada a cada hora do dia, durante toda sua vida. Ser machista é um sistema, uma cultura que impõe todos esses valores A TODOS NÓS. As pessoas acreditam que machismo é homem superior a mulher (e é) e que feminismo é mulher superior ao homem (que é onde se encontra a confusão). Feminismo busca IGUALDADE de direitos, EQUIDADE, é dar a mulher direitos que o homem já tem, é valorizá-la da mesma forma, é dizer "você tem total liberdade pra decidir sobre você mesma".

Minha intenção com esse texto é totalmente explicativa. Mas antes de tudo, pra ler e entender, é necessário ter o dom da Empatia, sem isso a gente continua preso na bolha do "tá tudo bom do jeito que tá", sem olhar pro outro, sem entender a luta dele, sem parar pra pensar nos privilégios que temos com relação ao outro. E muita força, porque a gente sabe o quão difícil é lutar contra algo que se aprendeu a vida inteira. É isso.

sexta-feira, 24 de julho de 2015

Menina pássaro

Ele parecia o cara ideal, o príncipe encantado que eu passei a vida inteira ouvindo de filmes, novelas, e das minhas amigas que eu deveria encontrar. Eu sempre gostei da minha própria companhia e não conseguia entender por que isso parecia tão errado para as outras pessoas, mas eu passei a ouvir com tanta frequência que eu precisava ter um homem do meu lado, que eu mesma passei a acreditar. Foi aí que eu o conheci...
Ele parecia um anjo, fazia coisas que me fizeram acreditar que ter ele do lado era privilégio. Me buscava em casa, me deixava em casa, minha família adorava ele, bebia junto. Acabamos nos tornando o famoso "dois em um". Eu tinha perdido alguma coisa da minha identidade que naquele momento parecia que valia a pena ter perdido isso pra estar com ele. E isso só foi crescendo...
Eu queria fazer as dancinhas divertidas que eu costumava fazer me sentindo livre, e o convidava pra fazer também. Ele dizia que não e que eu deveria parar também, por algum motivo mal explicado. Então, comecei a de fato, perder o gosto por dançar. Eu queria usar um shortinho e ouvi tantas vezes ele dizer que os caras na ruas e os próprios amigos dele ficariam olhando, que comecei a acreditar que a culpa era minha, o problema era eu. Então, passei a repudiar esse tipo de roupa, por mais a vontade que me deixasse. E o pior comecei a repudiar pessoas que usavam aquilo também. Eu me afastei de todos os meus amigos do sexo masculino, por que ele dizia que alguns afagos e carinhos eram por que eles eram afim de mim. Pra tudo ele começou a achar um motivo pra eu me desfazer e não sei se por gostar demais dele, parecia realmente coerente no momento. Até que eu me vi ali, só eu e ele. Sem minhas dancinhas bobas, sem as mesmas roupas de antes, sem os mesmos pensamentos de antes, sem amigos, ou melhor/pior: apenas com os amigos dele.
Lembro como se fosse hoje do dia em que uma outra moça flertou ele na minha frente e foi comigo que ele brigou, por não ter respondido nada pra ela. E de fato, eu não respondi, por que achava que esse era o papel dele. Achava que em um relacionamento cada um tem que ter o espaço pra se posicionar. Mas na cabeça dele as coisas não funcionavam dessa forma. Enfim...
Sempre tem os dias de briga, mas ali as coisas começaram a ficar absurdamente tensas, não havia mais um dia que não houvesse divergências ente nós dois. Até que um dia ele terminou, por que "eu havia mudado muito", eu aceitei o término, por uma questão de cansaço mental, eu já não aguentava mais brigar, apesar de achar que eu estava o perdendo. Eu saí da casa com essa frase ecoando na minha mente: "Eu havia mudado muito Eu havia mudado muito Eu havia mudado muito". ELE TINHA TODA RAZÃO! O que restou da menina que queria viajar o mundo, fazer dancinhas bobas em festas livremente, que abraçava, ria e adorava estar com os amigos?
Em todo término a gente sente que perdeu algo e chora de soluçar como se a dor nunca fosse passar. Comigo não foi diferente: Eu passei um dia inteiro chorando. E um filme de tudo que eu mudei, do quanto estava me sentindo prisioneira, retraída passou na minha cabeça,
Mas no dia seguinte, eu comecei a sentir uma liberdade que já era desconhecida, pra mim. Me levaram a um lugar lindo, que tocava essa música: https://www.youtube.com/watch?v=pYyBmQf80XM&feature=youtu.be e eu comecei a rodopiar sozinha, dançar, fazer todas as dancinhas bobas que eu podia, sem olhar ao redor pra ver a cara das pessoas, sem me importar com o que elas pensavam. E foi quando olhei meus braços e no lugar deles, haviam algumas penas. Então, no outro dia eu comecei a ir nos lugares que antes eram os meus preferidos de ir sozinha e curtir minha companhia, com a roupa que eu queria estar. E mais uma vez ao olhar meus braços, haviam mais penas do que no dia anterior. E não parei mais... voltei a assistir meus filmes preferidos, tomar meu sorvete preferido, me presentear, ir ao cinema, visitar amigos, curtir minha própria companhia. E cada vez mais os braços já não eram mais braços. Eram agora um belo par de asas. Então um dia encontrei com uma conhecida e o namorado dela, e depois de alguns minutos de conversa, ela disse meio rindo, aquelas coisas que já não eram estranhas: " Tu tá aqui sozinha? Tá precisando de um namorado urgente". Então eu utilizei meu belo par de asas, e voei alto, voei, voei, pra bem longe deles. Não sei exatamente, mas acho que depois que você se torna pássaro, ser prisioneira das convenções já não interessa mais. E eu? Ah, eu amava saber voar...